Natural do distrito de Ema, a seis quilômetros de Iracema,
município com pouco mais de 18 mil habitantes no interior do Ceará, a estudante
de 19 anos Myllena Cristyna da Silva fez uma descoberta científica após
provocar um incêndio no laboratório da escola onde cursou o ensino médio. O
incidente resultou em uma pesquisa de reciclagem de isopor e na geração de um
material que pode ser usado para blindar o vazamento de petróleo no mar,
contribuindo para a redução de um dos maiores problemas de poluição ambiental
em todo o mundo.
A estudante desenvolveu a pesquisa ao ingressar no Instituto
Federal do Ceará (IFCE) de Limoeiro do Norte, no curso técnico em Meio
Ambiente.
"O diferencial do trabalho dela é que além de propor uma nova
rota de destinação final para os resíduos de isopor, e isso já em um ponto
positivo relacionado a questão ambiental, ela também gera um novo produto no
mercado que vai trabalhar com a blindagem ou contingência de vazamento de
petróleo", comenta o orientador e professor de Gestão Ambiental do IFCE de
Limoeiro do Norte, Phylippe Santos.
Neste ano, ela participou pela segunda vez da Intel ISEF
(International Science and Engineering Fair), maior feira de ciências do mundo,
nos Estados Unidos, de onde voltou no último domingo (20). Com o projeto,
ganhou duas bolsas de estudo para universidades do Arizona.
Incêndio
Enquanto fazia o experimento com isopor e solvente no laboratório
da escola, Myllena se distraiu conversando com amigos e deixou a estufa
queimar. O incêndio atingiu parte do local, quando a adolescente, desesperada,
levou o experimento à pia. O choque térmico causado pela água formou uma
espécie de cristal, e a partir de pesquisas com esse cristal, ela chegou ao
material que pode ser usado em embarcações de petróleo para evitar vazamento e
a consequente poluição da água.
A estudante escolheu trabalhar com isopor porque precisava
participar da feira de ciências da escola. "No início do ano trocaram os
ares-condicionados e juntou muito isopor na escola. A professora falou que
isopor era sensível a solvente, e como tinha que fazer o projeto, reaproveitei
o material que já tinha, mas não sabia o que ia produzir", conta.
Depois do incêndio, a punição para Myllena foi ficar afastada por
um mês do laboratório. No entanto, a pesquisa ficou parada por quase um ano.
Segundo ela, a escola não tinha equipamentos para desenvolver os testes.
Pesquisa
Se trata de um ciclo de reutilização do poliestireno expandido,
conhecido popularmente como o isopor. A partir da retirada desse material do
meio ambiente, a estudante conseguiu desenvolver cristais lisos e porosos.
Submetendo esses materiais a uma bactéria, a jovem cientista diminuiu o tempo
de decomposição do isopor no planeta – de cerca de 150 anos – para sete meses.
Myllena explica por que o produto desenvolvido com a técnica também
impacta na poluição do mares com petróleo. "Todos os dias acontecem
viagens de navio petroleiro, e é obrigatório fazer uma lavagem pra retirar o
material impregnado no lastro, para não influenciar na próxima carga. A água
utilizada pra isso é a água o mar, que é poluída com o petróleo. Esse material
vai servir como película protetora do lastro, repele 95% do petróleo que ficava
impregnado. Mesmo com a lavagem, as empresas não perdem material, nem ele vai
pro meio ambiente”, detalha.
Além disso, a pesquisa desenvolveu um ciclo completo de
reutilização do isopor, material que comumente é descartado de forma irregular
no meio ambiente.
Com a bactéria usada para decompor plásticos, Myllena percebe que,
na reação, é excretada a própria matéria-prima de que é feito o isopor e outros
tipos de plástico: o óleo de estireno. Isso significa que, em vez de ser
descartado de maneira imprópria, um isopor usado poderia ser reaproveitado pela
própria empresa fabricante e submetido ao processo descoberto pela cientista,
para gerar outros materiais, diminuindo o custo da empresa.
A pesquisa de Myllena também tem impactos econômicos. “O segundo
ponto é resolver um dos problemas considerados um dos maiores problemas
ambientais: o derramamento de petróleo no mar. Isso gera impacto ambiental e
econômico, o petróleo é um material caríssimo, o derramamento causa prejuízo
enorme”, ressalta.
Ela foi procurada para patentear o produto, mas recusou por não
considerar a proposta de divisão de royalties justa.
Impossível
Filha de pai agricultor que estudou até o ensino fundamental, e de
mãe doméstica, com ensino médio, Myllena nunca imaginou que pudesse alcançar
uma realidade tão distinta.
Para os pais, ver a filha realizando tamanho feito é algo
inacreditável. "Estou conquistando coisas que, pela nossa realidade, as
pessoas julgam impossível. Não sou filha de advogado ou médico. Eles, que não
tiveram oportunidade de estudar, vendo eu conquistar duas bolsas numa faculdade
nos EUA… enchem os olhos d’água. Liguei pra minha mãe e disse ‘passei, vou pros
EUA’, ela começou a chorar, não conseguia dizer nada no telefone", reflete
a estudante.
O interesse pela ciência começou ainda nos primeiros anos da
escola, quando conheceu as feiras científicas. “Não sabia como era, achava que
era como na TV, com vulcões explodindo…”, conta.
Vencendo as feiras estudantis do interior, ela se reconheceu e
abraçou o próprio caminho. “Na feira estadual, que era um nível mais avançado
do que a realidade que eu tava acostumada, foi como um incentivo. Foi onde vi
que era aquilo que queria pra minha vida, que eu amava ciências e feiras
científicas.”
Myllena pretende cursar uma universidade pública no Arizona a
partir do próximo ano, que lhe dará ajuda de custo para permanecer no local.
“Minha avó tá aqui dizendo que não quer que eu vá, mas vou sim, é meu sonho”,
diz, entre risos.
Folha Serrana / Por Cinthia Freitas, G1 CE
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