O Supremo Tribunal Federal vai analisar se o decreto que estabelece
percentuais mínimos e máximos a serem observados pelas emissoras de rádio na
produção e transmissão de programas culturais, artísticos e jornalísticos
locais foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. O tema teve
repercussão geral reconhecida por maioria.
No caso em análise, a comissão de licitação desclassificou uma
empresa dos procedimentos licitatórios para delegação de serviços de
radiodifusão nos municípios de Jupi e Betânia (PE) porque sua proposta técnica
não atendeu à condição estabelecida pelo edital relativa ao tempo dedicado a
programas culturais, artísticos e jornalísticos locais contida no Decreto
52.795/1963.
A empresa recorreu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que
proveu a apelação com o fundamento de que o artigo 221, inciso III, da
Constituição da República é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a
definição dos percentuais a serem observados pelas emissoras de rádio e
televisão na produção e na transmissão de programas locais, não cabendo a
regulamentação da matéria por outra espécie normativa.
Portanto, o edital não poderia estipular os limites com base em
determinações previstas em decreto não recepcionado pela Constituição. Com
isso, declarou a nulidade do certame licitatório.
A União defende, no recurso extraordinário, que tanto a Lei
4.117/1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações) quanto o Decreto 52.795/1963
dispõem sobre o tempo a ser destinado aos referidos programas. Sustenta a
inexistência de violação à liberdade de expressão, pois estabelecer um
percentual mínimo de programação local não significa que se está impondo o
conteúdo.
Manifestação
O relator do RE, ministro Luiz Fux, observou que o Plenário do STF,
ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.923, de sua relatoria,
firmou o entendimento de que é legítima a fixação pela legislação de cotas de
conteúdo nacional para canais e pacotes de TV por assinatura. Na ocasião, ele
consignou que as cotas de conteúdo nacional consubstanciam meio idôneo para a
promoção da cultura e da identidade nacional ao estimular a indústria
audiovisual do país.
Para o ministro, o caso em discussão no RE, embora diverso do
precedente citado, também envolve o fomento da identidade e da cultura das mais
diversas localidades do Brasil. “É imperioso que o STF se manifeste sobre a legitimidade
da política pública de cotas de conteúdo local implementada pela legislação ora
impugnada”, afirmou.
Outro ponto relevante da controvérsia, segundo Fux, é a respeito do
juízo de recepção, pela Constituição da República, de normas anteriores a ela.
Em seu entendimento, existindo compatibilidade de conteúdo, a norma
infraconstitucional deve ser recepcionada pela Constituição em vigor,
independentemente da forma normativa exigida.
“Todo o ordenamento jurídico infraconstitucional é recebido pela Constituição
nova desde que com ela seja materialmente compatível. Nesse contexto, a
recepção do ordenamento infraconstitucional anterior independe de previsão
expressa no texto da Constituição nova”, disse.
O ministro considerou que a matéria tratada no recurso transcende
os limites subjetivos das partes, uma vez que a definição sobre a recepção ou
não pela Constituição da República de 1988 das determinações contidas no
Decreto 52.795/1963, “além de implicar juízo sobre a validade de norma em vigor
há décadas em todo o território nacional, poderá impactar, ainda, a
radiodifusão de conteúdos culturais, artísticos e jornalísticos regionais e
locais, produzidos em milhares de municípios do Brasil, com inegável
repercussão para as populações atingidas”.
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