Uma pesquisa lançada nesta
segunda-feira (4) aponta em quais casos o brasileiro é favorável ao aborto, ao
ser confrontado com diferentes situações concretas vivenciadas pelas mulheres.
Entre os entrevistados, 81% dos participantes da consulta afirmaram que
concordavam com a interrupção em, ao menos, um dessas situações: em caso de uma
gravidez não planejada; falta de condições para criar; no caso de meninas com
até 14 anos; se o feto for diagnosticado com alguma doença grave ou incurável;
se a mulher correr risco de vida ou caso ela tenha ficado grávida após ser
vítima de um estupro.
Tendo em vista cada uma das situações, o maior índice de apoio à
interrupção se dá quando a gravidez resulta de um estupro: 59% dos
entrevistados se dizem “totalmente a favor”. Se a mulher correr risco de morte
na gestação e/ou no parto, o índice passa para 48%. O número chega a 41% quando
o feto for diagnosticado com alguma doença grave e incurável, como quando a
mulher contrai zika durante a gestação, comprometendo o desenvolvimento
neurológico do bebê.
Os percentuais de apoio diminuem nas situações em que se trata de
meninas com até 14 anos grávidas (27%); se a família não tiver condições de
criar (19%) e em caso de uma gravidez não planejada (11%). O maior índice de
rejeição à interrupção é exatamente neste último caso: 66% se dizem “totalmente
contra” o aborto quando a gravidez não é planejada.
Intitulada “Percepções sobre o aborto no Brasil”, a pesquisa foi
realizada pelo Instituto Locomotiva e pela Agência Instituto Patrícia Galvão,
em 12 regiões metropolitanas do Brasil, entre os dias 27 de outubro e 6 de
novembro. Foram ouvidas 1.600 pessoas, entre homens e mulheres com 16 anos ou
mais. O estudo indica que, quando as situações não são explicitadas, a maior
parte das pessoas se diz contra o aborto. Questionados sobre “o quanto é a
favor ou contra que as mulheres possam decidir por interromper a gravidez”, 62%
dos participantes se disseram contrários; 26%, a favor; 10%, nem contra, nem a
favor; e 2% não sabiam ou não responderam.
Contradições
O estudo revela que, entre aqueles que se disseram contrários ao
aborto de uma forma geral, 75% são favoráveis a que a mulher possa interromper
a gravidez em ao menos uma das situações listadas. A aparente contradição é, na
opinião da diretora-executiva da Agência Patrícia Galvão, Jacira Melo, uma
consequência da forma como o tema é tratado no Brasil. “Quando você coloca o
aborto em determinadas situações muito reais e concretas, você vê que as
respostas caminham para o lado da racionalidade, da realidade. A população
demonstra mais flexibilidade, um olhar mais atencioso para o problema, que é um
problema de saúde pública”, afirma.
A pesquisa aponta ainda uma relação entre a opinião sobre o aborto
e a escolaridade do entrevistado. O número de pessoas favoráveis à interrupção
da gravidez acompanha o crescimento do nível de escolaridade. Entre as que têm
o ensino superior completo, 35% disseram ser favoráveis ao aborto. Já o grupo
de pessoas que têm até o ensino fundamental completo é o que registra maior
índice de rejeição à interrupção da gravidez: 67%.
Pessoas conhecidas
Um dado inédito trazido pela pesquisa aponta que 45% dos
entrevistados conhecem uma mulher que realizou um aborto ou interrompeu a
gravidez. Em números absolutos, o percentual corresponde a 72 milhões de
brasileiros com mais de 16 anos. Do total, 25% afirmaram que a conhecida que
interrompeu uma gravidez é uma pessoa próxima e 16% afirmaram não ser “uma
mulher não tão próxima”.
Quando analisado o gênero dos entrevistados, a pesquisa conclui que
mais mulheres do que homens afirmam conhecer alguém que já realizou um aborto.
São 52% no caso das mulheres e 34% no dos homens. “Nós estamos falando
exatamente dessa questão: ao pé do ouvido, as pessoas estão falando do tema do
aborto, sobretudo as mulheres”, alerta Jacira. Para a diretora da Agência
Patrícia Galvão, “se esse tema fosse mais debatido, menos interdito na
sociedade, nós teríamos outra posição”.
Criminalização
A pesquisa também investigou a percepção das pessoas sobre a
criminalização da prática do aborto. Questionados se “uma mulher que interrompe
a gravidez intencionalmente deveria ir para a cadeia”, 50% concordam e 38%
discordam. Porém, quando se trata de alguém próximo como uma amiga que tenha
feito aborto, 47% das pessoas não fariam nada e somente 7% chamariam a polícia.
A abordagem policial da questão não é considerada a mais
apropriada, na opinião da maior parte dos brasileiros. Cerca de 8 em cada 10
entrevistados afirmam que a discussão sobre aborto no Brasil é uma questão de
saúde pública ou de direitos, enquanto apenas 1 em cada 10 acreditam que seria
um “assunto de polícia”.
PEC 181
Atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) 181/2015, que tratava inicialmente da ampliação da
licença-maternidade para mães com bebês prematuros, inclui dispositivos que
podem abrir a possibilidade de proibir todas as formas de aborto no país,
inclusive nos casos considerados legais atualmente, como o aborto.
Inicialmente, o texto tratava somente da ampliação da licença-maternidade para
mães com bebês prematuros
No Brasil, o aborto é legalmente permitido em três casos: quando
não há meio de salvar a vida da mãe, quando a gravidez resulta de estupro e
quando o feto é anencéfalo. De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto 2016,
feita por pesquisadoras da Universidade de Brasília (UnB), apenas em 2015, 500
mil mulheres realizaram um aborto ilegal. O número pode ser maior, já que
muitas pessoas praticam o aborto sozinhas e não comunicam o fato.
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