“A última vez que comi carne já tem mais de um mês. Foi quando
ajudei a tirar o couro de uma vaca”.
Em Senador Elói de Souza, município do Rio Grande do Norte em
estado de calamidade pública pela seca, Adailton Oliveira lembra, emocionado,
que o animal agonizava de fraqueza, faminto, e foi abatido pelo dono.
Os pedaços foram repartidos onde caíram. Adailton, 52, conta que
ficou com “a mão”, uma das patas dianteiras. Com a mulher, Sebastiana, fez o
pedaço render por 20 dias no fogão à lenha improvisado. Alimentos ali estão
contados. Os R$ 170 do Bolsa Família “não dão para nada”, afirma, e o auxílio
emergencial da pandemia é passado.
“Ao invés de deixar a vaca para urubu e cachorro, a gente tem que
comer”, diz o agricultor. “É isso porque não tem outro jeito. Sem chuva não se
planta o que comer e se acabam os animais. Também não existe mais passarinho
para desfrutar, e a gente não tem condição de pedir no mercado ‘bota 1 kg de
carne com osso’. A gente tem que pegar os bichinhos para fazer a mistura.”
Os relatos sobre a fome na região potiguar se somam aos de outros
brasileiros pelo país. Neste ano, ganharam notoriedade imagens de ossos de boi
serem disputados por moradores no Rio de Janeiro Janeiro e vendidos como um
produto a mais em açougue em Santa Catarina. Em Fortaleza, ossos de carne de
primeira e de segunda também foram incluídos na lista de itens de alguns
açougues, quando antes eram doados.
Duas casas adiante, Deojem Emanuel Gomes da Silva, 57, conta não
ter nada na geladeira. O alimento disponível na cozinha é meio quilo de feijão
espalhado numa caixa.
A renda “é menor que o gás”. O botijão custa R$ 110. “Tudo subiu
com a pandemia”, diz com tom de lamento. No almoço, comeu o feijão puro.
Ele conta que não é possível recorrer nem aos pequenos répteis,
animais que por décadas fizeram parte da dieta dos mais pobres afligidos pela
seca no Nordeste.
"A mistura, às vezes, é ovo. Às vezes, não tem. Nem calango,
nem lagarto tijuaçu tem mais aqui. Eles migram atrás de água.” Há quem diga que
os que ficam “são pequenos como lagartixas”.
Folha de São Paulo
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