segunda-feira, janeiro 21, 2019
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Igreja Católica na PB é condenada a pagar indenização de R$ 12 milhões por exploração sexual
Igreja Católica na PB é condenada a pagar indenização de R$ 12 milhões por exploração sexual
A Justiça do Trabalho condenou a Arquidiocese da Paraíba a pagar
uma indenização de R$ 12 milhões por casos de exploração sexual contra menores
de idade. O crime foi praticado por padres e até o arcebispo emérito do estado
estão envolvidos no escândalo. O
Fantástico ouviu um rapaz que foi assistente de missa e seminarista. Ele
preferiu não ser identificado. Repórter:
Que idade você tinha? Ex-seminarista: Eu tinha 17 anos e meio ano. Repórter: O
que você encontrou no seminário era como você esperava? Ex-seminarista: Não,
né? A gente espera uma coisa e de repente se depara com outra, né? Às vezes de
assédio relacionado a assédios sexuais por parte dos padres, por parte de muito
dos seminaristas. Repórter: De que tipo? Ex-seminarista: Através de palavras,
de atos, pegava nas minhas partes sexuais, né? Foi na Justiça Trabalhista que o
processo avançou. “O ato é gravíssimo. São adolescentes que acreditaram naquela
instituição a representação de Deus”, afirmou o procurador do Trabalho, Eduardo
Varandas.
Tudo começou em 2014, a partir
de uma carta. A autora ouviu comentários de que algo errado estava acontecendo
na Igreja Católica da Paraíba e, a partir daí, fez uma denúncia por carta, para
ficar dentro da Igreja. Porém, isso acabou resultando na situação atual. Uma
denúncia que era só para a Igreja, que tomou uma dimensão imensa. Repórter: Por que a senhora decidiu escrever
a carta? Testemunha: Porque eu fiquei incomodada diante de tantas coisas aí eu
me incomodei muito por ser católica. Não aguentei mais diante de tanta coisa e
eu terminei tendo essa vontade de fazer tudo isso. Repórter: A senhora era
amiga de jovens homossexuais frequentadores da igreja? Testemunha: Isso. A
gente ia pra aniversário, a gente saía, ia na praia à noite. Nessas saídas
nossa aí começou a surgir conversas que não tava me agradando. Repórter: Tipo o
quê? Testemunha: Apelidos muito feios com padres da nossa igreja. Monja
Vanessa. Louca da Diocese. Ligava pra pessoa e falava "oi, louca da
Diocese"? Repórter: Na verdade a senhora descobriu depois que quem tava do
outro lado da linha eram padres? Testemunha: Eram padres. A mulher contou tudo
para um padre de confiança. Ela explicou que ele redigiu a carta e disse que o
documento ficaria dentro da Igreja. Mas o texto vazou e virou notícia. A partir
daí, o Ministério Público do Trabalho começou a investigar. “Na verdade, o que foi apurado, o que foi
denunciado na imprensa, apurado pelo Ministério Público do Trabalho, foi de que
havia inserido dentro da sistemática católica um grupo de sacerdotes de forma
habitual que pagavam por sexo a flanelinhas, a coroinhas e também a
seminaristas”, explicou o procurador Varandas.
O crime foi definido como exploração sexual. No entanto, ele ressaltou
que, como o processo está em segredo de justiça, ele está impedido de revelar
alguns elementos concretos e o que ocorreu na instrução do processo. Segundo Varadas, a característica da
exploração sexual é a ausência da vontade livre para praticar o ato. Nesse caso,
o pagamento às vítimas podia ser feito em dinheiro ou até em comida. “Algo que tenha submissão ou algo que faça
com que um estado de necessidade leve a criança ou adolescente a praticar esses
atos. Que estado de necessidade é esse? É a miséria, é a fome, é a proteção do
estado, é a ausência de políticas públicas. No caso de menores de 18 anos,
independente da vontade deles, tanto o Estatuto da Criança do Adolescente, como
o Código Penal consideram a exploração sexual exatamente porque eles não têm a
vontade validada pelo direito pra praticar um ato dessa natureza”, explicou o
procurador. O ex-seminarista conta que
cedeu às investidas pela vontade de se tornar padre.
“Porque até então a
palavra de ordem seria ‘passando por esse processo você vai conseguir chegar a
ser padre’. Meio que uma troca de, não sei se a palavra certa é troca de
favores. Às vezes uma conversa, um abraço no pé do ouvido, né? ‘Ele você tá
muito cheiroso, vc tá muito lindo, muito gostoso, né? Você deve malhar muito,
não sei como você faz isso, mas você tem um peitoral muito gostoso, né?’”,
disse. A vítima afirmou que havia
relações sexuais e que se envolveu com três padres. Os nomes dos três
sacerdotes aparecem em vários depoimentos: Jaelson Alves de Andrade, Ednaldo
Araújo dos Santos e Severino Melo. Os padres estariam afastados de suas
funções. Nem o ex-seminarista, nem a
autora da carta, que deu origem às investigações, quiseram se identificar. E
eles têm suas razões. “Eles diziam que
ou eu calava com isso ou a minha vida tava por um fio”, afirmou a mulher. “Eles
diziam que eu tivesse cuidado por onde andava, porque eu não sabia quem tava
atrás de mim, nem na minha frente, nem ao meu lado”, contou a vítima. Por
pressão psicológica, duas testemunhas importantes que tinham marcado entrevista
com o Fantástico desistiram de falar. Mas, à Justiça, elas falaram. Um deles é um empresário, dono de um
restaurante, até hoje muito católico. Ele frequentava a igreja do padre Jaelson
e depôs contra aquilo que ele achava que era um desvirtuamento da Igreja
Católica. “Antes dele, a gente tinha
meninas e meninos como coroinhas, mas depois que ele assumiu passou a só
admitir coroinhas homens. Um dia dois deles me procuraram. O primeiro falou
comigo chorando, contou que tinha decidido sair da igreja porque um dia tava na
casa paroquial e o padre Jaelson pediu que o menino passasse óleo nele durante
o banho. O garoto tinha entre 14 e 15 anos. O outro coroinha que veio falar
comigo disse que teve um relacionamento com o padre dos 14 até os 21 anos”, disse
em depoimento. Outra testemunha é um funcionário da Catedral, que trabalhou lá
por mais de 30 anos e conhecia como ninguém os bastidores do que acontecia lá
dentro. “Passaram três bispos e cinco
padres no tempo que eu estive lá. Um desses padres, padre Jaelson, levava
coroinhas e outros meninos, todos menores de idade, para dormir com ele nos
quartos que ficam atrás da igreja. Os meninos iam embora de manhã cedo. Ele
pagava lanches para os meninos e também dava roupas para eles como um agrado.
Eu já cheguei a pegar padre Jaelson tendo relação sexual com menor de idade
dentro da igreja. Também trabalhei com o padre Ednaldo. Ele costumava sair com
os meninos que olhavam os carros na porta da Catedral. Costumava ir com eles no
Bar da Pólvora. Eram todos menores de idade e o padre dava dinheiro pra eles”,
afirmou em depoimento. Foi decisivo o
depoimento de um desses jovens, que quando era menor de idade trabalhava como
flanelinha no entorno da Catedral, e disse que, na época, teve relações com o
padre Ednaldo. Ele contou tudo, mas não pôde ver a conclusão do processo porque
foi assassinado em dezembro de 2016. A polícia chegou a investigar a
possibilidade de queima de arquivo, mas nada ficou comprovado. O ex-funcionário citou também um quarto
padre: Rui da Silva Braga. O padre Rui também levava meninos para a casa
dele. Uma particularidade do caso é que
não só padres foram acusados de crimes sexuais. Segundo o Ministério Público,
havia o envolvimento direto do então arcebispo, dom Aldo Pagotto. Ele é suspeito
de acobertar os crimes dos sacerdotes e também de ter tido relações sexuais com
jovens da cidade. “Numa determinada
conversa, ele chegou a realmente a passar a mão no meu peito e dizer ‘por que
não aproveitamos que estamos aqui nós dois e vamos realizar aquilo que é melhor
pra nós dois?’”, afirmou o ex-seminarista. À Justiça, a vítima disse que tinha
sido só assediado pelo então arcebispo. Mas, ao Fantástico, ele foi além: “A gente chegou a ter relações sexuais, sim”,
denunciou. Sem saber do envolvimento do arcebispo, o empresário chegou a pedir
que ele tomasse providências sobre o problema.
“Ele chegou a chorar e disse que ia tentar resolver a situação. disse
que ia procurar que padre Jaelson fizesse um tratamento para parar com essas
coisas. Isso foi em 2009 e nada foi feito. Quero deixar bem claro que sou
católico, continuo frequentando a igreja e não tenho a intenção de prejudicar
nenhum padre. Só quero que a verdade venha à tona pela dignidade da igreja”,
disse o empresário à Justiça. Em 2002, quando
era bispo de Sobral, no Ceará, dom Aldo foi denunciado por supostamente tentar
acobertar casos de abuso sexual de um padre contra 21 meninas. Mas o Tribunal
de Justiça cearense arquivou o caso. Em 2004, ele se tornou arcebispo da
Paraíba. Ficou na posição até 2016, quando renunciou ao cargo, em meio às
denúncias de escândalos sexuais envolvendo padres. Na carta de renúncia, ele se referiu a
"egressos", ou seja padres e seminaristas afastados de outras
dioceses, e que ele acolheu: "Acolhi padres e seminaristas no intuito de
lhes oferecer novas chances na vida. Entre outros alguns egressos
posteriormente suspeitos de cometer graves defecções, contrárias à idoneidade
exigida no sagrado ministério". Dom
Aldo vive agora em Fortaleza. Teve câncer de próstata. Na páscoa de 2018,
divulgou um vídeo em que aparece debilitado. O Fantástico ligou três vezes para
o celular dele, e também para o telefone fixo da casa onde vive. Não atendeu,
nem respondeu às mensagens de texto. Mandou um e-mail curto: "Não participo desse tipo de reportagem.
Esclareço que aos 8.11.2017 os padres suspeitos em envolvimento com menores
foram inocentados por unanimidade".
Mas os sacerdotes não foram exatamente inocentados. A data citada por
dom Aldo coincide com o arquivamento do caso na Justiça comum. O Ministério
Público Estadual considerou que os crimes já tinham prescrito, ou seja, pela
lei, eram antigos, e não podiam mais ser julgados. O procurador estadual
Francisco Sagres Vieira afirmou que tinha convicção de que o crime aconteceu,
de que “os fatos se verificaram, tinha motivo suficiente para promoção da
denúncia crime”. Porém, estava de “mãos atadas porque havia prescrição”. Mas na Justiça do Trabalho houve condenação,
por exploração sexual. Indenização de R$ 12 milhões, R$ 1 milhão para cada ano
de dom Aldo Pagotto à frente da Arquidiocese. O dinheiro deve ter uso
social. “Esses R$ 12 milhões objeto a
condenação serão revertidos para o fundo da infância, da adolescência e
instituições congêneres que trabalham com crianças sexualmente exploradas e
atuam na recuperação psicóloga, na reinserção social”, explicou o procurador do
Trabalho Eduardo Varandas. A Diocese de
João Pessoa foi procurada, para que a entidade e os padres acusados pudessem se
manifestar. Mas ninguém quis dar entrevista. Em nota, a Igreja Católica da
Paraíba afirmou apenas que “não se manifestará sobre os fatos e aspectos
relacionados ao processo judicial em virtude da tramitação do caso em segredo
de justiça". Todos os religiosos
citados na ação negaram à Justiça envolvimento com os jovens. A Igreja ainda
pode recorrer da sentença. “Isso precisa
ser passado a limpo pela sociedade. A Igreja, a meu ver, deve essa explicação
ao mundo. Agora, independentemente do fator de quem causou isso ou aquilo a
grande preocupação do Ministério Público é evitar que danos como esse continue
sendo uma rotina na vida de crianças e adolescentes”, afirmou o
procurador. O ex-seminarista, hoje com
27 anos, se formou em administração e direito. Ele saiu do seminário por medo
de se tornar um padre abusador. “Eu
tinha muito medo de me tornar aquilo que fizeram comigo”, disse. Repórter: Vou
te fazer uma última pergunta: o que você gostaria que acontecesse com os padres
e com o bispo que abusaram de você? Ex-seminarista: Olha, sinceramente, que a
Igreja cuidasse deles, né? Que a Justiça realmente fosse feita, eu sei que eu
sou mais um. Mas eu acredito que a Igreja deveria, como instituição, cuidar
neurologicamente dos padres e construtivamente, a nível de sociedade, a Justiça
fosse feita. A autora da carta de
denúncia, que deu origem a toda investigação, diz que continua católica,
confiando numa Igreja que saiba se purificar.
“Eu queria que a igreja se limpasse. Eu não denunciei a Igreja, eu
apenas fiz um pedido de socorro, acode a nossa Igreja, a Igreja tá sofrendo. Eu
queria que limpasse, mas eu queria que limpasse dentro da igreja, fechada e não
para o mundo porque a nossa Igreja é santa, nossa Igreja não merece isso que tá
acontecendo”, lamentou. G1PB
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