quarta-feira, maio 09, 2018
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Professora é substituída após dar aula sobre religião africana em escola no Ceará
Professora é substituída após dar aula sobre religião africana em escola no Ceará
A professora de história Maria Firmino, 42, foi afastada
da sala de aula na Escola de Educação Infantil e Fundamental Tarcila Cruz de
Alencar, em Juazeiro do Norte, no Ceará, após ter dado aula sobre
"patrimônio material, imaterial e natural de matriz africana", em 20
de abril.
A Secretaria da Educação de Juazeiro do Norte informou,
por meio de nota, que não foi procurada pela docente e que a profissional
continua no exercício das suas funções. Já a professora e funcionários da
escola afirmam que ela está fora da sala de aula desde abril.
Maria registrou um boletim de ocorrência sobre crime
contra o sentimento religioso na Delegacia Regional de Juazeiro do Norte. A
delegacia da cidade apura o caso.
Durante a aula, três alunos alegaram terem sentido
mal-estar com o conteúdo da aula. Conforme Maria, o episódio foi uma
"trama" feita por outros servidores da escola por não aceitarem uma
professora de religião africana na unidade.
"Fiquei assustada, chocada e de coração partido de
ter visto aquilo, alunos fazerem parte do que parecia uma trama", completa
Maria.
Segundo a professora, os alunos deixaram a sala dizendo
sentir mal-estar e forte dor de cabeça. Nenhum atendimento médico foi
solicitado pela escola, segundo a professora. O caso gerou uma manifestação dos
pais dos estudantes.
"Quando eu ia saindo na calçada comecei a ouvir
gritos de 'sai satanás', 'vou pegar essa feiticeira', 'ninguém pode mais do que
Deus''. Só via gente descendo de carro, gente olhando, populares vindo",
conta a professora.
Maria afirma que não recebeu apoio da direção ou de
funcionários durante o ocorrido.
Com o ocorrido, o advogado da professora foi avisado de
que a instituição pretendia transferi-la para o setor burocrático. "Eles
estão colocando que eu não tenho mais condição de estar em sala de aula, isso é
uma forma de punição. Eu posso até ir [para o setor burocrático], desde que a
minha função seja fazer com que as escolas coloquem em prática a Lei de
Diretrizes e Bases, que diz que a educação tem obrigatoriedade de ensinar a
cultura africana", ressalta Maria.
Repercussão
O advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos
da OAB de Juazeiro do Norte, Rafael Uchôa, acompanhou a educadora até a
delegacia regional para registrar o fato. Ele confirma que o caso ganhou
repercussão na cidade.
Ao G1, a Secretaria da Educação de Juazeiro alegou não
ter tomado conhecimento do ocorrido até o contato da reportagem. No entanto, no
boletim de ocorrência registrado pela professora, ela afirma que a secretária
da Educação de Juazeiro do Norte, Maria Loreto, compareceu à escola para reunião
com o colegiado.
A agente administrativa da escola, Adriana Ricarter,
estava no local no dia do ocorrido e foi quem deu assistência às estudantes.
Pelo relato dela, a diretora não estava na instituição quando tudo ocorreu, mas
um outro responsável, identificado como Cícero, chegou ao local momentos
depois. Segundo Adriana, Cícero repassou os fatos à Secretaria da Educação.
Também de acordo com a agente, na segunda-feira seguinte
ao caso, um professor substituto foi enviado pela secretaria passou a dar aulas
na escola.
Cultura afro-brasileira
Lembrando a lei federal 11.645, sancionada em 2008, que
torna obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena em
escolas de ensino fundamental e médio, públicas e privadas, Maria faz críticas
à escola por não cumprir as diretrizes.
"Na aula anterior eu trabalhei a cultura indígena e
marquei pra trabalhar as heranças de matriz africana naquele dia. Eu trabalho
dentro da lei 11645/08, porém, as escolas não. Aí quando chega no Dia do Índio e
da Consciência Negra fazem três desenhos e pregam na parede."
Maria segue a religião africana candomblé de Angola e tem
20 anos de magistério.
Ela conta que há quatro anos trabalhou na escola Tarcila
Cruz de Alencar e pediu transferência após outros professores levantarem um
abaixo-assinado contra a permanência dela na instituição. O retorno à escola se
deu pela localização mais favorável. A professora mora em Missão Velha, a cerca
de 30 km de Juazeiro do Norte.
"Tive uma 'vibração de santo' dentro da sala de
professores. Eles me mandaram procurar um psiquiatra, disseram que eu não tinha
capacidade de trabalhar, chamaram o colegiado e assinaram abaixo-assinado pra
eu sair de lá", relata.
Segundo ela, a vibração de santo consiste em receber uma
energia que causa estremecimento no corpo e deixa a pessoa sem fala, sem
consciência de si e do lugar por um determinado tempo. A docente diz também ter
explicado previamente aos colegas de trabalho que poderia passar por isso, já
que sentia mal-estar naquele dia.
Antes dos dois episódios na escola de Juazeiro, Maria
nunca havia passado por situações semelhantes, mas afirma estar acostumada a
lidar com o "preconceito velado", já que costuma usar adereços que
identificam sua ligação com a religião africana, como colares de conta.
"Venho sentindo a rejeição nas escolas por onde passo, as piadinhas, o
isolamento..."
Por Cinthia Freitas, G1 CE
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