Pense na superfície da lua, com todas aquelas manchas claras e
escuras espalhadas por ela. Assim está a superfície que reveste Irauçuba, a 168
quilômetros de Fortaleza. Rígidos como pedra, os clarões são pedaços de terra
completamente inférteis que se alastram a cada ano, desde que o Ceará começou a
virar deserto. As partes escuras, por outro lado, são matéria orgânica —
resquícios de natureza viva; esperança de reversão do processo de
desertificação.
Na década de 60, quando Manuel Gomes Sales, 67, começou a morar
ali, era diferente. “Tudo o que plantava nessa terra, dava”. Pelo que contou ao
O POVO, sentado à sala de um dos casebres de taipa da Fazenda Aroeira —
território privado na zona rural de Irauçuba —, não era tão penoso viver no
semiárido. Bastava chover dentro da normalidade para o sertão ostentar um
tapete verde de solo fértil.
Só que, com a irregularidade das chuvas, a sequidão do solo e a
intensificação da agropecuária, o agricultor viu o “oásis” desaparecer. Milho e
feijão, no solo morto, não vingavam mais. E se antes colhia alimento suficiente
até para dar aos outros, hoje só enche duas a três sacas por ano. No “invernão
bom”, feijão era tanto que chegava a estragar, lembra a esposa de Manuel, Maria
Neuda Cândido de Sousa, 53.
Mão na consciência
Francisco de Assis Rodrigues Sousa, 51, que desde criança cuida do
roçado, não assistiu apático a essa mudança. Principalmente quando foi
advertido de que as queimadas que praticava para o plantio de milho e feijão
desgastavam ainda mais o solo que já sofria pela ação da natureza. Décadas
atrás “tinha bastante água e fartura. Hoje, a chuva não é metade do que dava
antes”, comenta o agricultor, líder comunitário entre as famílias da Fazenda
Aroeira.
“Plantar na terra crua dá bastante mato, muito serviço. Queimada dá
menos serviço, mas o nutriente é ‘mais pouco’”, entende, agora, Negão, como
Francisco é conhecido. Desde então, espera chover para “mandar passar trator”
no solo em vez de queimá-lo. “Todo sereno que dá, conserva (água). O solo fica
enchido, pega adubo”.
Dependendo do nível de degradação, a recuperação do solo pode ser
irreversível. Mas existem técnicas que induzem o renascimento da natureza.
Caetano Rodrigues, zootecnista de pequenos ruminantes, professor universitário
e representante do Instituto Cactos, em Irauçuba, ensina que o restabelecimento
do equilíbrio natural demanda, basicamente, sementes (dentre outros sedimentos
orgânicos) e espaço para o crescimento das árvores.
Gado também não pode estar perto, já que os animais se alimentam da
cobertura vegetal e contribuem para compactação do solo e consequente ampliação
dos “clarões” de terra dura como pedra. “Nossa região não foi criada para o
gado e o homem vem tentando forçar isso”, censura Caetano. Segundo ele, o ideal
para Irauçuba é a criação de pequenos ruminantes que “têm impacto ambiental
menor”, como cabras e ovelhas. Exatamente os bichos que, agora, ajudam a manter
as famílias de Manuel e Negão.
O POVO
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