terça-feira, agosto 21, 2018
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Papa divulga carta condenando estupro de crianças e acerta bispo de Itapipoca
Papa divulga carta condenando estupro de crianças e acerta bispo de Itapipoca
Amanhã (22), a promotora Valeska Catunda convocou uma Audiência
Pública na Câmara de Vereadores de Itapajé. Ela cobrará celeridade e empenho
das autoridades para dar resposta à sociedade sobre os crimes sexuais contra
menores e pôr atrás das grades monstros que ainda estão impunes.
Em tempo
A carta de Papa Francisco reconhece o sofrimento físico e
psicológico sofrido pelas vítimas de abusos, em sua maioria menores de idade.
“Olhando para trás, nenhum esforço de perdão e busca pela reparação da dor será
suficiente“, diz o documento, que pontua também o comprometimento futuro de
impedir que novos casos “sejam acobertados e perpetuados“.
O comunicado é uma resposta da Igreja à divulgação de uma extensa
lista com 300 padres da Pensilvânia considerados “predadores” sexuais. Os
relatos de abusos teriam sido mantidos em sigilo por um bispo local e envolviam
cerca de 1000 crianças e adolescentes durante .
Confira a carta na íntegra
CARTA DO PAPA FRANCISCO AO POVO DE DEUS
«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele» (1 Co 12,
26). Estas palavras de São Paulo ressoam com força no meu coração ao constatar
mais uma vez o sofrimento vivido por muitos menores por causa de abusos
sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número notável de clérigos
e pessoas consagradas. Um crime que gera profundas feridas de dor e impotência,
em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na inteira
comunidade, tanto entre os crentes como entre os não-crentes. Olhando para o
passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar
reparar o dano causado. Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for
feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não
aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas. A
dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso
reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a protecção de menores e
de adultos em situações de vulnerabilidade.
1. Um membro sofre?
Nestes últimos dias, um relatório foi divulgado detalhando aquilo
que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de
poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta
anos. Embora seja possível dizer que a maioria dos casos corresponde ao
passado, contudo, ao longo do tempo, conhecemos a dor de muitas das vítimas e
constamos que as feridas nunca desaparecem e nos obrigam a condenar
veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa
cultura da morte; as feridas “nunca prescrevem”. A dor dessas vítimas é um
gemido que clama ao céu, que alcança a alma e que, por muito tempo, foi
ignorado, emudecido ou silenciado. Mas seu grito foi mais forte do que todas as
medidas que tentaram silenciá-lo ou, inclusive, que procuraram resolvê-lo com
decisões que aumentaram a gravidade caindo na cumplicidade. Clamor que o Senhor
ouviu, demonstrando, mais uma vez, de que lado Ele quer estar. O cântico de
Maria não se equivoca e continua a se sussurrar ao longo da história, porque o
Senhor se lembra da promessa que fez a nossos pais: «dispersou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu
de bens e aos ricos despediu de mãos vazias» (Lc 1, 51-53), e sentimos vergonha
quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que
proclamamos com a nossa voz.
Com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos
que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para
reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas
vidas. Nós negligenciamos e abandonamos os pequenos. Faço minhas as palavras do
então Cardeal Ratzinger quando, na Via Sacra escrita para a Sexta-feira Santa
de 2005, uniu-se ao grito de dor de tantas vítimas, afirmando com força:
«Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio,
deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta
autossuficiência!… A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e
do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa
o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este
grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25)» (Nona Estação).
2. Todos os outros membros sofrem com ele.
A dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse
facto de maneira global e comunitária. Embora seja importante e necessário em
qualquer caminho de conversão tomar conhecimento do que aconteceu, isso, em si,
não basta. Hoje, como Povo de Deus, somos desafiados a assumir a dor de nossos
irmãos feridos na sua carne e no seu espírito. Se no passado a omissão pôde
tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade,
entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo
de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos,
tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar
uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor (cf. Exort. ap. Evangelii
gaudium, 228). Essa solidariedade exige que, por nossa vez, denunciemos tudo o
que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa. Uma solidariedade que
exige a luta contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual
«porque trata-se duma cegueira cómoda e autossuficiente, em que tudo acaba por
parecer lícito: o engano, a calúnia, o egoísmo e muitas formas subtis de
autorreferencialidade, já que “também Satanás se disfarça em anjo de luz” (2
Cor 11, 14)» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 165). O chamado de Paulo para
sofrer com quem sofre é o melhor antídoto contra qualquer tentativa de
continuar reproduzindo entre nós as palavras de Caim: «Sou, porventura, o
guardião do meu irmão?» (Gn 4, 9).
Reconheço o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes
partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem
segurança e protejam a integridade de crianças e de adultos em situação de
vulnerabilidade, bem como a implementação da “tolerância zero” e de modos de
prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou acobertem esses
crimes. Tardamos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas confio
que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no
futuro.
Juntamente com esses esforços, é necessário que cada batizado se
sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto necessitamos.
Tal transformação exige conversão pessoal e comunitária, e nos leva dirigir os
olhos na mesma direção do olhar do Senhor. São João Paulo II assim o dizia: «se
verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo
sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar» (Carta ap.
Novo millennio ineunte, 49). Aprender a olhar para onde o Senhor olha, estar
onde o Senhor quer que estejamos, converter o coração na Sua presença. Para
isso nos ajudarão a oração e a penitência. Convido todo o Povo Santo fiel de
Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do
Senhor[1], que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o
compromisso com uma cultura do cuidado e o “nunca mais” a qualquer tipo e forma
de abuso.
É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a
participação activa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, toda vez
que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo
de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades
e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem
vidas[2]. Isto se manifesta claramente num modo anômalo de entender a
autoridade na Igreja – tão comum em muitas comunidades onde ocorreram as
condutas de abuso sexual, de poder e de consciência – como é o clericalismo,
aquela «atitude que não só anula a personalidade dos cristãos, mas tende também
a diminuir e a subestimar a graça batismal que o Espírito Santo pôs no coração
do nosso povo»[3]. O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes
como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a
perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje. Dizer não ao abuso, é dizer
energicamente não a qualquer forma de clericalismo.
É sempre bom lembrar que o Senhor, «na história da salvação, salvou
um povo. Não há identidade plena, sem pertença a um povo. Por isso, ninguém se
salva sozinho, como indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos tendo em conta a
complexa rede de relações interpessoais que se estabelecem na comunidade
humana: Deus quis entrar numa dinâmica popular, na dinâmica dum povo» (Exort.
ap. Gaudete et exultate, 6). Portanto, a única maneira de respondermos a esse
mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e
corresponde a todos como Povo de Deus. Essa consciência de nos sentirmos parte
de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e
erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a
partir de dentro. Tudo o que for feito para erradicar a cultura do abuso em
nossas comunidades, sem a participação activa de todos os membros da Igreja,
não será capaz de gerar as dinâmicas necessárias para uma transformação
saudável e realista. A dimensão penitencial do jejum e da oração ajudar-nos-á,
como Povo de Deus, a nos colocar diante do Senhor e de nossos irmãos feridos,
como pecadores que imploram o perdão e a graça da vergonha e da conversão e,
assim, podermos elaborar acções que criem dinâmicas em sintonia com o
Evangelho. Porque «sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor
original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras
formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado
significado para o mundo actual» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 11).
É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar,
com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos,
e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais
vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. A consciência
do pecado nos ajuda a reconhecer os erros, delitos e feridas geradas no passado
e permite nos abrir e nos comprometer mais com o presente num caminho de
conversão renovada.
Da mesma forma, a penitência e a oração nos ajudarão a sensibilizar
os nossos olhos e os nossos corações para o sofrimento alheio e a superar o afã
de domínio e controle que muitas vezes se torna a raiz desses males. Que o
jejum e a oração despertem os nossos ouvidos para a dor silenciada em crianças,
jovens e pessoas com necessidades especiais. Jejum que nos dá fome e sede de
justiça e nos encoraja a caminhar na verdade, dando apoio a todas as medidas
judiciais que sejam necessárias. Um jejum que nos sacuda e nos leve ao
compromisso com a verdade e na caridade com todos os homens de boa vontade e
com a sociedade em geral, para lutar contra qualquer tipo de abuso de poder,
sexual e de consciência.
Desta forma, poderemos tornar transparente a vocação para a qual
fomos chamados a ser «um sinal e instrumento da íntima união com Deus e da
unidade de todo o gênero humano» (Conc. Ecum. Vat. II, Lumen gentium, 1).
«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele»,
disse-nos São Paulo. Através da atitude de oração e penitência, poderemos
entrar em sintonia pessoal e comunitária com essa exortação, para que cresça em
nós o dom da compaixão, justiça, prevenção e reparação. Maria soube estar ao pé
da cruz de seu Filho. Não o fez de uma maneira qualquer, mas permaneceu firme
de pé e ao seu lado. Com essa postura, Ela manifesta o seu modo de estar na
vida. Quando experimentamos a desolação que nos produz essas chagas eclesiais,
com Maria nos fará bem «insistir mais na oração» (cf. S. Inácio de Loiola,
Exercícios Espirituais, 319), procurando crescer mais no amor e na fidelidade à
Igreja. Ela, a primeira discípula, nos ensina a todos os discípulos como somos
convidados a enfrentar o sofrimento do inocente, sem evasões ou pusilanimidade.
Olhar para Maria é aprender a descobrir onde e como o discípulo de Cristo deve
estar.
Que o Espírito Santo nos dê a graça da conversão e da unção
interior para poder expressar, diante desses crimes de abuso, a nossa compunção
e a nossa decisão de lutar com coragem.
Francisco
Cidade do Vaticano, 20 de Agosto de 2018.
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